Por: Anônimo
"Bem, minha história começa com uma passagem por um hospital.
Num certo dia fui perambular pela UTI e conversei com os plantonistas que
falaram um pouco de cada paciente que estava ali internado. Uma das pacientes
era uma senhorinha cujo nome eu vou omitir.
Ela era esquizofrênica e estava muito emagrecida. Ela tinha
DPOC e estava num estado bem complicado... Eu não sei exatamente o porquê, mas
me identifiquei com aquela senhora. Não foi pela gravidade de sua situação, ou
por ter um transtorno psíquico, ou por ser uma idosa... já tive contato com
muitos pacientes assim, mas não tive a mesma identificação que tive com ela.
O fato é que eu passei a vê-la todos os dias. Num certo dia
fui designado para colher a gasometria dela e assim fui fazer. Quando estava
preparando o procedimento ela me olhou com o olhar mais triste que eu já vi...
Ela estava com medo da dor... Ela estava intubada, então não conseguia falar,
mas ela balançou a cabeça num sinal de "não" com um olhar que quase
me fez chorar...
Eu disse a ela que não doeria. Que eu usaria um anestésico
local pra que não doesse. Não é algo que se faz muito por lá, mas eu realmente
discordo dessa prática. O anestésico talvez não seja a saída final, mas com
certeza ajuda os pacientes a lidar com o processo. Pus o anestésico, esperei
dois minutos e colhi o sangue para a gasometria. Perguntei a ela se tinha doído
e ela balançou a cabeça em sinal negativo.
O olhar dela dessa vez era diferente... Um olhar de
alívio... Um olhar de gratidão... Ela não deveria ser grata por eu não tê-la
feito sofrer, afinal isso deveria ser um pré-suposto de alguém que jura
"não fazer mal" durante o famoso juramento de Hipócrates, mas eu pude
apreender isso do olhar dela.
Continuei acompanhando-a diariamente na UTI até que numa manhã
em que eu cheguei lá, ela não estava... Perguntei por ela e ninguém tinha a
informação... A partir desse momento eu não agi mais como um profissional de
saúde age. Eu poderia ter ido checar um prontuário em algum lugar ou correr
atrás de mais informações, mas eu me senti angustiado... me senti sufocado
naquele lugar. Só conseguia pensar que aquela senhorinha havia morrido.
Saí desolado da UTI e passei o resto do meu dia assim. Eu
tinha vontade de chorar, mas não entendia porquê... Eu mal conhecia aquela
senhora... Nunca trocamos uma palavra... Mas eu sentia a morte dela... No dia
seguinte eu voltei ao hospital e passei na UTI. Qual não foi a minha surpresa
ao vê-la ali em sua cama com uma visita pra ela. Eu fiquei estatalado. Parado.
Olhando pra ela e pra visita. Ela acenou pra mim e a visita dela sorriu. E eu
fiquei ali. Com cara de idiota. Foi uma das melhores sensações da minha vida...
Acho que foi um dos sentimentos de felicidade mais puros que eu já tive... Ela
não havia morrido...
No fim eu não sei dizer o porquê de ter me sentido assim com
aquela doce senhorinha... Mas tenho certeza que, no tempo em que convivemos,
ela preencheu algum desses vazios que carregamos ao longo da vida... E sei que
ela contribuiu muito pra fazer de mim uma pessoa melhor..."
Também tem uma história para contar?